O tempo que fez o tempo vazio dentro de mim

Por longos anos de minha vida corri, criei, eduquei, amei, desamei, por anos eu chorei e também muito sorri.

Por muitos anos de minha vida muito construi, tive muita pressa para que eu pudesse conseguir ter tudo simplesmente para poder dar tudo a tempo a aqueles que de mim dependiam.

Por longos anos e por algumas várias vezes doei-me mesmo não querendo isso naquele momento, mas doei-me porque eu sabia que para aquele instante, para aquela situação era o mais necessário, era o certo de se fazer.

Quantas vezes precisei ser forte sentindo meu coração dilacerar em meu peito, quantas vezes com os filhos nos braços senti fome, senti frio, chorei pedindo a Deus que amparasse meu desespero para que juntos conseguíssemos vencer.

Quantas vezes senti-me completamente incapaz, mas não podia demonstrar, eu precisava ser forte o suficiente para aguentar, eles precisavam de mim, das minhas noites sem dormir velando aquele que precisava de mim.

Quantos sustos passei, mas também quantas alegrias eu vivi, momentos inesquecíveis de instantes mágicos ao lado de meus filhos vendo-os brincar alegremente pelo quintal usufruindo do direito de ser criança e de todas brincadeiras brincar.

Foram anos e anos vividos construindo quem eles hoje são, mas e agora? Agora o tempo passou agora o tempo me mostra outro tempo, o tempo me presenteou de um tempo que eu muitas vezes desejei porque hoje este tempo é meu, o tempo é todo para mim, o tempo está aqui para eu ser apenas quem eu sou e do jeito que quero ser.

O tempo está aqui para me mostrar que eu não preciso mais correr, o tempo é todo meu, o tempo está aqui me dizendo que os meus filhos cresceram, que os meus filhos seguiram suas estradas e que eles fazem da vida a suas vidas, eles caminham hoje ao lado dos filhos que são filhos deles, mas e eu? e o tempo que a eles dediquei? Por que o tempo fez isso? Por que tanto eu preciso entender que eles pouco se lembram de que um dia “ao lado deles” eu estive e que ao lado dele continuei doando o que eu tinha de melhor, sendo o mais possivelmente “perfeito” dentro de todas as minhas imperfeições? Por quê?

Por que eu não consigo entender este vazio que está dentro de mim? Afinal eles são também meus filhos eles são filhos dos meus filhos…

                               O tempo que fez o tempo vazio dentro de mim

No fim do dia sento-me na varanda da minha casa sentido o frio da ingratidão apunhalar minhas costas, anos e anos eu me dediquei a todos eles e hoje estou aqui, sozinho sentado sem ter com quem conversar, é um sentimento de dor que se funde aos pensamentos que me atormentam o coração me fazendo querer parar de pensar.

Não sei mais que rumo tomar, eu ainda sou jovem o bastante para nas horas de precisão lembrarem-se de mim e a mim recorrerem, mas sou velho o bastante para a mim alguns momentos dedicar.

São as ironias que o tempo nos prega quando este mesmo tempo passa e nos faz passar no tempo.

Tento me reaproximar, faço o que posso para agradar, mas agora estou rendendo-me a todos os argumentos porque estou deveras sem forças para enfrentar tamanha situação de indiferença e desprezo, eu estou vivo! Eu ainda estou vivo.

Foram anos que a eles dediquei, dediquei com amor, fui o que eu naquele tempo eu pude ser, cobri-me de toda coragem para deles cuidar e prover. Não digo que deixei de fazer (no tempo) o que eu queria fazer para mim para apenas deixa-los fazer, não, “era a minha obrigação”  aquele tempo era o tempo deles e não mais o meu tempo.

Não digo e que me sacrifiquei horas e horas ensinando as lições e rezando horas seguidas pedindo ao “Divino Espírito Santo” que os iluminasse nas horas das provas na escola para que eles se tornarem quem hoje são, não, não vale mais a pena qualquer argumento porque hoje sou idoso e de nada mais sei, nada mais sirvo.

Ah! eu ainda sirvo sim, sirvo para quando eles de mim ainda necessitam, mesmo dentro de toda suas independências eles algumas vezes a mim ainda recorrem, precisam “de favores” ai, ai  sabem onde me encontrar, chegam sorrateiros sabendo que eu não consigo negar.

Sei que ensinei valores morais a cada um deles, sei que ensinei que toda humanidade necessita de igualdade, que crianças, jovens, adultos e idosos são parte de um todo e que todos necessitam ser tratados com respeito e solidariedade, sei que dei a cada um deles o valor de ser quem são e por esta questão lutarem e serem respeitados respeitando.

Mas eu sou parte deles, eu estou aqui pronto para o que “der e vier” porque eles reconhecem que dentro de toda minha fortaleza existe um ser fraco sem coragem para outros rumos tomar. Reconheço que muito que hoje vivo possa ser por minha única culpa por não entender ou quem sabe não querer entender que eles cresceram e adultos que são querem seguir suas estradas sozinhos porque não faço “mais falta”.

Reconheço que eles algumas vezes trazem dor ao nosso coração assim como eles trazem também muitas alegrias em momentos cada vez mais raros de encontros, eu estou envelhecido e não sou mais tão agradável como era um dia.

A tecnologia, a telecomunicação tão simples afasta ainda mais, não há necessidade de ligar,”ele está ali”, mas será que eu estou mesmo ali? Será que eu tenho o que comer, o que ainda vestir, será que ainda tenho forças para enfrentar a solidão, a ingratidão?

“Estou ali” isso basta, tenho um teto, ainda tenho vitalidade ainda tenho “forças” que mais eu preciso?

Eu envelheci, de muitas coisas não mais preciso, mas de amor eu ainda suplico, de amor eu ainda preciso para seguir minha estrada que agora não está mais tão linear, eu preciso de amor porque muitos medos agora eu enfrento, dores que aparecem, temores que chegam sem razão.

Sei que posso ser “mais eu”, mas o tempo passou, não tive como retê-lo e permanecer – me tão jovem como antes, sou ainda lutador, consigo ainda todos as minhas responsabilidades cumprir, ainda não “dependo” deles para viver, lutei anos seguidos e ainda luto para conseguir seguir, mas doe, doe muito olhar para os lados e nada ver, deitar-me a noite na casa vazia sem dar ou receber um boa noite, doe.

Eu estou envelhecido e de amor eu preciso, eu necessito cada dia mais deste elixir para conseguir seguir.

Eu envelheci.

“Palavras ditas de uma história real contada por um paciente que se dedicou a vida toda à sua família, aos seus filhos e hoje vive sozinho em um canto da vida vendo a vida passar.”

Pense Nisso.

Gilwanya Ferreira

CRP 04/42417

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