Uma história real

Hoje vou contar com a autorização de um paciente uma história que me chamou muita atenção e me serviu de alerta para clarear muitos temas que feriram, ferem e tenho certeza ainda vão ferir psicologicamente muitas gerações até que se possam todos conscientizarem da importância e do valor da palavra.

Hipócrita.

Hipócrita no dicionário é:

Aquela ou aquele que demonstra uma coisa, quando sente ou pensa outra, que dissimula sua verdadeira personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não possui; fingido, falso, simulado.

Hipócrita no sentido bíblico é:

A pessoa hipócrita vive no engano. 

Sua vida está cheia de contradições entre:

  • Aquilo que ensina e aquilo que faz
  • Suas ações exteriores e seu coração
  • Seu julgamento de si mesmo e seu julgamento dos outros
  • A Lei de Deus e suas próprias regras

 Preservarei aqui nomes, sexo, locais e datas onde esta história se passou.

Instituirei ao narrador apenas como “meu paciente”

Ouvindo meu paciente

“Um dia eu ouvi um jovem chamando um senhor mais velho de Hipócrita depois de uma longa e calorosa discussão que teve como tema inicial um assunto muito banal, sem importância mesmo aos ouvidos de quem estava presente, mas de repente por uma fatalidade positiva ou negativa do destino, máscaras foram simplesmente arrancadas, contradições visíveis foram sendo expostas a ponto tal de que este jovem não resistiu e sem a intenção de ofensa e sim de uma amarga decepção esta palavra saiu de seus sentimentos âmagos e foi ai que tudo começou.

Uma verdadeira guerra se iniciou. Aquele senhor “endeusado” por todos, exemplo de hombridade e respeito não conseguiu manter a calma, claro que inicialmente no calor de uma discussão ouvidos não ouvem claramente o que bocas falam, neste momento ouvidos ouvem ofensas irreparáveis e não alertas a serem observadas, é fato, em qualquer situação de confronto, mas e neste caso separadamente, este jovem teria mesmo o direito de “falar assim” com alguém com idade tão avançada? E o “respeito”? Onde estaria o respeito aos mais velhos em casos semelhantes a este?

Então tentei entender, eu tenho 78 anos, vivi uma vida “castrada” onde o “pecado” reinava para que se mantivesse a tão sonhada “paz dentro do lar” e “excomungados” eram aqueles mais jovens que ousassem expor suas opiniões e atravessassem “as leis impostas” pela sociedade familiar em que estava inserido.

Isto foi “na minha época” agora imagina na época de minha mãe, de meu pai e imaginem o que ambos viveram em relação aos meus avós, seus pais.

Então pensei: Hipócrita seria aquele jovem que hoje vive uma realidade de respeito mais também de igualdade, hipócrita seria a meu ver aquele jovem que “por respeito” não expusesse seus sentimentos e mostrasse tão bravamente suas fragilidades que a meu ver naquele momento era um pedido de “eu quero paz”.

 Eu tenho 78 anos e naquele exato momento eu me assustei, me deportei ao passado tentando me colocar “no lugar daquele bravo garoto” e não consegui me colocar ali, me ver ali, eu não coube naquele lugar.Ai me perguntei:

– Por quê? Porque eu sempre permiti que “abusos” fossem impostos a mim e aceitar que tais atitudes e leis me “ferissem” a ponto de me deixar desnorteado sem entender, mas precisar aceitar?

Que coragem exemplar eu enxerguei naquele garoto, hombridade de atitude por apenas querer entender, não “engolir” mais as “estorinhas” contadas no reduto vivido.

Então eu me vi como também hipócrita, até aqui, porque de hoje em diante não quero mais ser.

Por não querer ser mais, também tive a humildade de me colocar no lugar daquele senhor que tão absurdamente se colocou no “lugar de vítima” apenas porque não tem a fortaleza de aceitar que sendo um pouco mais velho que eu ele também age como tal, ele também se vestiu de uma carcaça, de uma redoma endeusada para seguir as suas leis, as suas percepções, as suas ideologias e naquele momento em que “um menino” alguém tão jovem o questionou, a verdade veio a tona e como em qualquer situação a verdade quando é despida ela dói, ela doi imensamente. E doeu.

Hoje estou eu aqui, sentado diante de alguém que “estudou” para ajudar a todos a resolver seus conflitos internos e ensinar caminhos que possam ser diferenciados e fortalecedores para simplesmente expor meus pensamentos.

E eu quero hoje só falar, falar o que de verdade “ruminei” durante dias até ter coragem de vir aqui e me descrever, de me encorajar a ponto de reconhecer que também sou um grande e fiel hipócrita da minha geração, que sou um verdadeiro hipócrita e agi assim quando deixei que meus pais me “jogassem na cara” coisas que não eram minhas, fui um hipócrita em me calar muitas vezes quando a minha vontade era de verdade agir como “este menino” que o destino colocou diante de mim em um momento tão ainda propício ao meu “grito de liberdade”.

Infeliz eu agora posso ver aquele homem, infeliz eu posso agora sentir de como será a vida daquele homem que por orgulho ferido não vai assumir sua hipocrisia e tentar mudar o colorido de sua caminhada, mas eu quero, e eu vou mudar. Eu agora vejo que hipócrita é aquela mãe que apontou o dedo a vida toda para sua filha a proibindo de ter amizades ou amores  masculinas, que colocou um Deus cruel que um dia a levará ao juízo final quando esta mesma mãe “se perdeu”, “ou se achou” um dia nos braços de um homem e dela ou de outra irmã ou irmão engravidou.

Hipócrita é aquele pai que por ter tido um filho (a) com alguma deficiência física ou mental o fez sofrer durante décadas por acreditar que não conseguiria ser “igual”, mas, o que é igualdade? Quais leis aquele pai seguia a ponto de sentir prazer em ver aquele filho sofrer, chorar e se “esconder” para não mais incomodar?

Hipócrita é aquela mãe, ou aquele pai que de alguma forma nunca deixou espaço para seus filhos nele ver transparência e igualdade. 

Eu, naquele dia eu vi, vi que entender não é crime, acreditar é, sobretudo questionar, indagar, pesquisar, não é assim que as leis sociais exigem?

Por que dentro de uma sociedade “familiar” estas leis também não podem reger?

Eu tenho 78 anos, já caminhei mais estradas do que ainda tenho que caminhar, já vivi situações inusitadas, alegres, pitorescas, tristes, já chorei de emoção por felicidade, mas também já chorei por emoções de dor, então naquele momento eu me olhei no espelho e vi o quanto também sou hipócrita comigo mesmo quando não me permito receber alguém em minha casa apenas pelo “medo” de “alguém” falar alguma coisa, hipócrita sou ainda eu por sentir vontade de viajar com “desconhecidos” enquanto ainda posso ter meu discernimento mental apenas por “não correr o risco” de me ferrar, hipócrita sou eu ainda quando não me permito me permitir, hipócrita sou eu ainda por  permitir que a cultura do medo e da submissão me dominem até hoje.

Eu não quero mais, eu amo o outro quando o outro também me ama, eu posso ter cuidado com alguém desconhecido apenas porque quero, eu posso me manter afastada daquele que criei laços de amizade ou de amor  porque eu percebi que era o momento, mas que a amizade ou este amor não acabou por isso.

Eu posso e de agora em diante vou exigir, exigir explicações plausíveis quando eu não entender eu não serei mais hipócrita em me vestir de uma “fantasia” apenas para agradar, para fortalecer minha imagem de “perfeito” ou de tudo sei apenas pela idade que tenho. Eu não sei.

Eu vou amar, me amar, eu vou construir a minha nova história e eu quero admitir o grande erro que cometi quando inseri aos meus pequenos a cultura do medo, porque hoje eu estou “ouvindo” minha mãe gritar: – “EU VOU CONTAR TUDO A SEU PAI”  “ AH, SE SEU PAI SOUBER” “ ISTO NÃO É COISA DE SE FALAR” e estas frase nos bastava  para que amuássemos e quietinhos não incomodássemos como se ela não tivesse autoridade suficiente para nos chamar atenção e fortaleza tal para nos convencer a parar e “obedecer”.

Eu vou amar, me amar de agora em diante e diante do que verdadeiramente sou, de uma forma sincera comigo mesmo porque  hoje depois de tanto refletir eu vi que aquele jovem ama demais aquele senhor a ponto de colocar “em risco” o seu sentimento, expondo claramente o grito da verdade e a pureza da nudez daquele sentimento.

Eu vou amar, me amar como nunca me amei, porque de alguma forma eu enxerguei que aquele senhor não sabe o que é amor, ele apenas é um submisso endeusado, ele é alguém que por “entender ser o sempre correto” não sabe ceder” “ não conhece o outro como deveria conhecer” e eu não quero isso para mim, eu quero me fortalecer e uma nova vida viver.

Eu quero amar, me amar para não me permitir pensar que aquela geração dos anos 50, 60, 70, 80 que brincou nas ruas, que nadou nos lagos, que tomou água da manqueira, que corria ladeira abaixo nos carrinhos de rolimã, que cavalgava livremente nos campos e tantas outras brincadeiras eram pessoas saudáveis, hoje eu vejo que não eram, eles cresceram submissos onde um grito os faziam tremer, onde eles não tinham oportunidade de conversar com seus pais e falar de seus medos, de seus anseios e também de seus sonhos, eles não existiam em lugar algum enquanto seus pais não permitisse sua existência e  até quando  um adulto chegava em seus lares eles não tinham o direito de existir, nós não tínhamos o direito de existir porque eu também sou desta geração, nós precisávamos estar escondidos,  encolhidos, calados ou como bonecos silenciosos. Esta geração não era feliz eles apenas extravazavam suas angustias e seus medos onde a infância permitia. 

Quantos suicídios poderiam ter sido evitados se os nossos pais nos dessem a oportunidade de falar de nossas dores, tivéssemos tido oportunidade de quebrar esta cultura do medo e expor aquilo que não sabíamos o que era. Quantos loucos se fizeram.

Eu quero amar, quero me amar para entender a tecnologia atual, quero me permitir a não a ela “me viciar” mesmo entendendo a grande necessidade dela exigir.

Eu quero não mais ser hipócrita e de agora em diante quero também me despir e vestir-me de verdades que possam ser verdadeiramente minhas, mas  quero respeitar as verdades que outros criaram.

Quero que não porque tenho 78 anos ser aquele que tudo pode, tudo sabe ou tudo vê, quero poder mostrar o que sei, apontar o que percebi e também mostrar o que vi, mas  quero poder ouvir o que meus ouvidos não me permitiram até aqui, quero aceitar o que meu orgulho não me permitiu.

Quero sim ter meu canto para nele poder alto cantar e me extravasar. Quero sim ter meus ideais e minhas ideologias, mas quero aceitar que em qualquer momento eu posso mudar.Eu vou mudar.

Quero da hipocrisia não mais me beneficiar.

Pense Nisso

Gilwanya Ferreira

CRP 04/42417

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