Invertendo os papeis

A vida é mesmo uma “roda gigante”, é estranho olhar lá de cima quando ela para de rodar. Sentimos sensações que se misturam, vão do medo a curiosidade, da curiosidade à ansiedade, da ansiedade à alegria e da alegria à tão esperada paz. Tantas coisas passam pelas nossas cabeças ao nos vermos “parados” ali onde tudo se torna tão sensível e tão vulnerável; é a vida se fazendo  presente e se mostrando que tudo é mesmo um pouco assim.
Nascemos, somos criados e não nos imaginamos em outro papel que não o de eternos filhos de nossos pais. Amamos e somos muito mais amados, somos cuidados com esmero, somos educados e ensinados de maneiras mil. Nossos pais cumprem seus papeis com classe e sabedoria e quando chegam nossas dores sejam elas quais forem como um passe de mágica eles, nossos pais, aparecem ali, naquele exato momento, tão prontos e preparados para nos acalentar e nos acalmar, nos proteger com atitudes tão nobres que vão desde um colo aconchegante até a aquele beijinho que tudo pode curar…
São nossos pais que pela vida nos aconselham e são sempre nossos esteios e esta ideologia é tão tranquilizante que apenas de pensarmos nossos corações já se acalmam…
Temos fases, é um fato concreto para todos nós, mas sempre temos neles, nesses seres que tão carinhosamente chamamos de pai e mãe seres que preenchem nossas lacunas e nos encantam por todos os anos de nossas vidas.

Mais como tudo, um dia nós também nos tornaremos pais, nos tornaremos mães, um dia seremos nós que vamos doar nossos colos e fazer de nossos beijos o bálsamos para tantas dores.

Um dia aqueles exemplos tão nobres serão transferidos para nossos filhos e para eles e por eles vamos dedicar nossas vidas assim como aconteceu e quiçá acontece até hoje com muitos de nós.
Tenho certeza que lendo este texto muitos vão se reportar às lembranças do passado e sentirem-se eternos meninos e meninas de seus pais, pois é assim que eles nos classificam em qualquer idade que estivermos quando falam sobre nós  para outras pessoas: “o meu menino” “nossos meninos”, “a minha menina”, “nossas meninas” sim, somos sim para os olhos e o coração de nossos pais eternamente meninos, seremos sempre “as crianças que seus olhos pousaram quando do ventre saímos do ventre materno e mesmo quando já somos pais e também avós seremos “aquele” menino ou menina que eles por longos anos acolheram em seus braços.
Não é simples aceitar o envelhecimento destes seres tão especiais, e ainda se torna mais difícil quando temos a consciência da finitude do ser, quem dera para nós nossos pais fossem eternos e eternos fossemos todos nós não é mesmo?
Mas não é assim que acontece temos certeza que a nossa partida é certa, nós precisamos terminar nossa jornada aqui neste mundo e cada um de nós sabe que são muitas as maneiras de chegarmos a esta etapa da vida, a etapa do envelhecimento, e é neste momento quando nos deparamos com nossos pais envelhecidos, começamos às vezes até inconscientemente a inversão dos papeis, o “quadro” se inverte.

No início nem nos damos conta de que estamos gradativamente ocupando não apenas o “lugar de filho (a)”, começamos a prestar mais atenção em alguns detalhes que antes eram tão despercebidos como, por exemplo, a higiene, a alimentação, a saúde, “começamos a “dar ordens” sutilmente “lembrando” de que não se esquecerem de tomar tal remédio, de terem cuidado ao gastar dinheiro, terem atenção à alguma compra que precisam fazer, quando ainda eles têm alguma autonomia, é neste momento que percebemos que nossos pais estão envelhecidos e que precisam mais de nossa atenção, eles precisam que tenhamos paciência e alguns cuidados especiais.
Suas memórias começam a falhar e a insegurança aparece como um “monstro” assombrando seus corações.

A destreza que antes existia agora começa faltar, os movimentos se tornam mais lentos, as mãos tremulas não tem mais firmeza, a audição é pouca e pouco eles conseguem entender o que os outros falam, pode acontecer também que os ouvidos ouçam, mas o cérebro não consegue processar para que eles possam entender.

A visão está ofuscada pelas intempéries da vida e é nesta hora que nós fazemos o mesmo que eles fizeram conosco, aproveitaremos o medo como uma forma de prevenção.

Eles sentem que “tudo está nublado”, eles agora precisam de nós, mas será que de verdade estamos preparados para atendê-los e prontamente preencher o vazio que suas necessidades precisam?
É difícil, é muito difícil para qualquer um de nós que somos filhos aceitarmos o envelhecimento de nossos pais com a naturalidade que precisamos e também é difícil entender que as limitações que simultaneamente vão aparecendo não representa um estado de demência e nem tão pouco preguiça, que a cada dia quando se esquecem de fechar a torneira da pia ou de onde foi guardada a chave da porta, ou como se faz para ligar a máquina de lavar e até de darem um recado não é porque eles querem nos prejudicar ou “fazer pirraça”, não, não é isto que acontece e sim a degeneração natural de todo ser. 

Cada um tem seu próprio ritmo, cada qual com sua velocidade, mas é inevitavelmente natural a todo aquele que tem a graça de envelhecer passar por um ou mais destes estágios naturais, estágios que muitas das vezes eles não se dão conta, eles apenas vivem.
Quando tudo isso acontece é chegada a hora de prestar mais atenção naquilo que antes era natural, é a hora de ser sensível para sentir que precisamos nos aproximar com mais frequência e muitas das vezes não deixa-los mais sozinhos e em nome daquele amor que foi cultivado pelos longos anos de nossas vidas de filhos agora é hora de mudar, de começamos a superproteger nossos pais. Começamos  a não deixa – los fazer aquilo que antes era tão rotineiro e é nesta fase de “resguardo” que este sentimento muda, passamos a nos sentir pais de nossos pais, começamos por filtrar as angustias, evitando os tropeços naturais, vamos esconder as tragédias familiares para simplesmente poupar nossos pais de aborrecimentos desnecessários, não queremos que eles sofram.
Vamos fazer por eles tudo aquilo que eles fizeram por nós, não por “obrigação” e sim em nome do amor que foi bem semeado em nossas vidas e quanto mais eles vão envelhecendo quanto mais eles vão perdendo a memória.  Quanto mais seu vigor parece mais ausente, quanto mais seus corpos vão se modificando mais cresce em nós o sentimento de finitude e mais próximos deles precisamos estar.
Um dia vai doer aquela ausência tão presente; eles vão estar ao nosso lado mais eles estarão em “seus mundos”, seus corpos estarão ali mais eles estarão num mundo construído pela ausência da memória, pela degeneração daquele ser tão autêntico que ao nosso lado esteve por tanto tempo.
Vai doer vê-los olhando para o infinito sem nada ver, vai doer quando seus olhos nos nossos olhos pousar e eles não mais saberem quem somos.

Vai doer quando as palavras nada mais significarem e eles não mais nos compreenderem, vai doer, mais o amor que a nós foi dedicado nos fará fortes o suficiente para com carinho deles cuidarmos delegando agora apenas o sentimento como carro chefe deste grande desfile chamado vida.
Portanto, vamos sim vamos nos tornar “pais de nossos pais” porque esta inversão de papéis será apenas uma parte do amor que eles a nós dedicou.
E tenham certeza de que mesmo que fraquejarmos, mesmo que o sentimento de lógica do mundo nos fizer vacilar vamos em algum lugar dentro dos nossos corações forças encontrar para que possamos sorrir e com eles cantar, viajar no passado e histórias contar.

Vamos beija-los com a mesma ternura daqueles beijos que tudo pode curar.
Vamos ter paciência para que muitas vezes a mesma historia possamos ouvir, vamos ter fé para que de mãos dadas orações possamos com eles orar.

Vamos ter serenidade para entender a luta que eles terão para a nós provarem que eles ainda são capazes e então quando o “grande dia chegar” nossos corações tranquilos vão estar e em paz deixaremos eles descansarem.
Pense nisso.

Gilwanya Ferreira

CRP 04/42417

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