Hoje tenho 65 anos,
estou em uma idade em que os dias parecem ter mais de 24 horas, dias que se
estendem e eu consigo “aproveitar” cada minuto com sabedoria.
Sou uma mulher, cresci em um mundo cheio de “cobranças” e de horários. Desde
muito jovem precisei trabalhar fora para além de sustentar as minhas
necessidades ajudar meus pais naquilo que era necessário.
Aprendi que “mulher” precisa ser prendada, precisa saber cozinhar, bordar, ser
mãe e sempre ganhei várias bonecas de presente. Hoje entendo que ter tido
muitas bonecas significava o simbolismo de ser mãe de uma grande prole, que
“cuidado” bem das “minhas filinhas” eu estaria um dia cuidando bem de meus
filhos.
Lembro-me que minha mãe exigia que minhas bonecas ficassem sempre limpinhas,
penteadas, e banho era uma vez a cada semana, as roupinhas trocadas e lavadas,
eu quem as lavava, “aprendizado para o futuro”.
Ganhei fogãozinho, sofá, geladeira, ganhei máquina de costura, maquina de lavar
roupa, ganhei aspirador de pó, rodo, vassoura, tudo “imitando” uma casa de
verdade, éramos mesmo condicionadas a ser mãe, dona de casa, até os
“brinquedos” tinham conotações intrínsecas. Meninos ganhavam caminhões, carros,
bicicletas, motos, posto de gasolina dentre outros.
Precisávamos ser
“condicionados” desde a mais tenra idade a sermos adultos prestativos e
produtivos. Meninas estudavam normal o
conhecido magistério, “ser professora era coisa de mulher.” meninos
contabilidade, científico ou algum curso técnico, (quem é da minha época sabe o
que é).
Crescíamos precisando produzir, precisávamos ser fortes, pois a missão de
cuidar e zelar pelo bem estar dos filhos e da casa eram das mulheres, os homens
eram os provedores, eles quem traziam o sustento para casa, mas existia assim
como eu aquela que “trabalhava fora” que além de manter limpa e organizada a
casa, conseguia ensinar a lição de casa aos “tantos” filhos, lavar, passar,
arrumar, prestar atenção nos botões que saiam das roupas, coser, cozinhar, e
ainda ser gentil e amável para com o marido.
Minha vida foi deveras “corrida” andava de um lado para o outro tentando não
“sair do ritmo” buscando não desagradar a nenhum de meus filhos e tentando
realizar os desejos de cada um deles.
Mas, os filhos crescem, a vida de casada também se transforma, os anos passaram
e hoje eu tenho uma vida que eu desenhei para mim, idealizei a cada ano que
vivi o que vivo hoje, trabalhei o suficiente para não me preocupar em precisar
trabalhar e agora tenho uma vida que considero ideal.
Vivi todo o tempo em uma cidade de porte médio onde as necessidades de minha
família eram relativamente supridas, havia boas escolas, um bom comércio, rede
de trabalho imediato favorável o que de certa forma me ajudou a “manter meus
pintinhos” todos no ninho por um longo tempo até porque, como eram muitos minha
casa era uma mistura perfeita entre filhos adultos, adolescentes, pré
adolescentes e crianças, tinha de todo gosto um pouco, (rindo ao lembrar).
Aos domingos na hora das refeições minha casa se tornava um local de festa,
aqueles mais velhos traziam suas namoradas para almoçar com a sogra, os
adolescentes sentavam pra conversar ou “ouvir” a prosa dos mais velhos
“aprendendo” o como se tornar um adulto e as crianças, estas não ligavam muito
para nada, corriam e brincavam o tempo todo.
Como matriarca eu sempre me preocupei em nos domingos fazer a comidinha
preferida de cada um, de certa forma eu alimentava também os desejos de meus
filhos.
Para descansar depois de toda cozinha em ordem meu marido e eu nos sentávamos
em frente a Tv para ver a programação de domingo, mas como não podia deixar de
ser eu “aproveitava” o tempo para costurar as meias rasgadas, remendar alguma
coisa que precisava ser à mão, nos intervalos lembrava que precisava assar um
bolo para o lanche da tarde e que as roupas lavadas no sábado precisavam ser
passadas e guardadas para segunda feira todos terem em ordem seus
guarda-roupas… E a vida assim era levada, eu sempre com algo para fazer
aprendi “não pedir” ajuda, imaginava que se eles me viam no corre-corre do
dia-a-dia eles mesmos precisavam “desconfiar” que uma ajuda era sempre bem vinda…
Mas os anos passaram e há algum tempo optamos em não morar mais “na cidade
grande”, optamos em viver no interior em uma cidade de pequeno porte para
termos “qualidade de vida”, com a graça de Deus conseguimos comprar uma casa
pequena (era meu sonho) que suprisse a necessidade de uma família de agora 22
pessoas, mas que se resumia em nós dois.
Meus cinco filhos agora todos casados já com sua própria prole tem hábitos
totalmente diferentes dos meus, minhas noras são mais “independentes” e não se
“sufocam” nos cuidados da casa como foi “no meu tempo”, minhas duas meninas
mesmo com a criação que as dei não viram necessidade de serem “treinadas” para
serem donas de casa, elas queriam mais e posso dizer que são e também são boas
mães e donas de casa, tudo às suas maneiras.
Reformamos e fizemos uma casa pequena, mas fizemos varandas e quintal para que
os netos possam brincar e correr, eu não abdiquei de ter minha rede na varanda
e é nela que passo algumas horas dos meus dias.
Aos domingos gosto de ter a família ainda reunida, mas hoje sou capaz de dizer:
“cada um traz um prato diferente” e quando terminarmos combinaremos para quem
ficará a limpeza e a organização das coisas que ficaram “fora do lugar”.
Não tenho mais pressa, caminho devagar, passos lentos e consegui pegar o hábito
de observar, gosto de olhar para o horizonte, de olhar no rosto das pessoas, de
parar para prosear com os conhecidos da nova cidade que moro.
Tenho galinhas no quintal adoro colher os ovos fresquinhos todos os dias, com a
ajuda do meu marido fizemos uma pequena horta e nela temos legumes e verduras
fresquinhas a nosso alcance, temos um pequeno pomar que nos fornece limões,
mexericas, laranjas, e algumas outras frutas, um pé de cada um para “não dar
trabalho”.
E aqui neste lugar tenho levado minha vida, tranquila vivendo meus dias um por
um, sem pressa para o outro dia chegar.
Hoje me sento diante da Tv sem nada em minhas mãos, tenho o “prazer” de apenas
olhar, quando “da vontade” sento-me na maquina de costura e vou fazer alguma
coisa para os netos ou para minha casa, nada que precise ser correndo, sento-me
ali para “distrair”.
Consegui manter o horário das refeições e confesso que é por comodidade, mantendo o hábito dos horários das refeições consigo ter mais tempo para mim (rindo de alegria com minha própria mudança).
Quando tenho
vontade saio de viagem, vou daqui para acolá sem pressa para voltar, gosto de
sair com meu marido, mas se ele não pode ou não quer ir, vou eu sozinha ou com
a companhia de uma boa amiga, nada que possa mais me atrapalhar
Então assim vou indo, devagar sem pressa pra chegar, ouço com atenção agora
minhas músicas preferidas e arrisco-me inclusive em cantar junto, sou uma
mulher tranquila, não tomo nenhum comprimido a não ser quando necessário,
graças ao bom Pai não tenho “estas complicações” de pressão alta, diabetes,
colesterol, etc. e aqui neste lugar eu posso afirmar que os dias às vezes
parecem ter mais de 24 horas.
Quando quero “durmo o soninho da beleza” e sem me preocupar com o relógio optei
em não ter nenhum na parede, tenho um pequeno no armário da cozinha só para
controlar os horários das refeições (coisa que quase faço automaticamente).
Portanto minhas palavras de hoje são para “alertar” meus colegas de idade, e
aqueles mais jovens que eu, façam suas vidas para conseguirem ter um
envelhecimento desejado, é inevitável nosso envelhecer, porém depende
totalmente ou parcialmente de nós mesmo a escolha de como queremos que este
tempo seja vivido.
Assim deveria ser para cada um de nós, seria o ideal e como sabemos que é algo
flutuante o planejamento se torna algo essencial.
Quando desde mais jovens conseguimos dentro de nós “desenhar” aquilo que
queremos para um possível futuro teremos uma grande chance de conseguirmos
alcançar nosso ideal.
Manter a autonomia e o equilíbrio emocional pelos anos de nossas vidas é a
chave de um sucesso seguro, sermos pacientes, organizados e dinâmicos na
juventude nos fará idosos ideais para “enfrentar” as turbulências naturais que
a vida nos presentear.
Aprendermos a conviver com pessoas de todas as idades fará com que sejamos
sempre jovens seja qual idade tivermos.
Conseguirmos aproveitar os netos e deles extrair toda alegria da infância que
às vezes não conseguimos aproveitar de nossos filhos nos alimentara a cada dia
de um amor incondicional que nos fortalecerá até o fim dos nossos dias.
É assim, precisava ser assim, e assim tem sido minha vida… assim tem sido
cada dia de minha vida, sem pressa para o outro dia chegar.
Quem sabe quem me lê hoje, também assim fará.
Gilwanya Ferreira
CRP 04/42417