Tudo a seu tempo mesmo na maturidade

Um dia ouvi alguém me dizer que “a vida passa depressa demais”, creio que eu tinha naquela época cerca de uns 8 ou 9 anos, e não entendia muito bem o que aquela frase significava, era ainda muito vaga a ideia de que tudo poderia passar depressa.

Tendo a idade que eu tinha, o mundo parecia tão “enorme” os dias passavam “tão devagarzinho” e para mim que sempre acordei muito cedinho o dia era “tão grandão”, dava tempo de brincar, de ajudar a mamãe, de ir passear de bicicleta com as amigas, de ir para a aula, e tantas coisas mais…
Era um tempo em que o tempo parecia mágico, as famílias sentavam nas portas das casas para prosearem com os vizinhos, as crianças brincavam na rua, jogavam queimada, jogavam bola, as meninas de boneca, os meninos de bola de gude, tantas lembranças tenho “daquele tempo” em que tudo era “a seu tempo”, minha avó sentava para contar histórias, meu avô contava “causos” e geralmente eram de “assombrar”, nós crianças ficávamos com os olhos estatalados , atônitos e sem movimento como se estivéssemos vivendo cada instante daquela aventura.
No fim da noite nem precisava das nossas mães chamar, era um olhar já sabíamos o que ela queria dizer íamos um a um nos aprontar para dormir…
Televisão era artigo de pessoas “mais ricas” muitas famílias não tinham Tv em casa e quando tinham as crianças tinham horário para ver a programação, geralmente podiam ver desenhos animados, algum filme, seriados tipo, Rim tin tin, Guerra nas estrelas, Homem do fundo do mar, a Feiticeira, Jeannie é um gênio, que saudade…
Na mesa nas horas das refeições as famílias se reuniam para “aproveitarem” o tempo e colocarem “a prosa” em dia, normalmente a mãe perguntava como foi a manhã na escola, o pai queria saber das notas, tínhamos que contar “detalhes” e de certa forma era divertido contar as proezas, porém sabíamos que não “éramos santos” e precisávamos omitir algumas de nossas travessuras para que não levássemos bronca de nossos pais.
Mais tudo era “mágico” e o tempo dentro de seu próprio tempo passava, podíamos sentir o gosto da infância, o sabor da adolescência e quando chegávamos aos 14 anos era hora de “arrumar um trabalho” era hora de “sairmos da inércia dos dias de brincadeiras” e assumirmos as responsabilidades de um adulto, muitos de nós passavam a estudar a noite para trabalhar de dia e nosso salário precisaria ser “dividido” com nossos pais.

A partir do primeiro salário já tínhamos “obrigações” a cumprir, ajudávamos nas compras para casa e para nossas necessidades “bancávamos sozinhos” precisávamos “crescer e ter responsabilidades” e mesmo nos sentindo “adultos” a obediência e o respeito para com nossos entes mais velhos eram algo que não poderia deixar de existir, nossos avós eram como “santos”, respeitávamos suas opiniões e eram eles quem nos davam conselhos naquilo que mais nos afligia.

Para com nossos pais a tolerância, o respeito e o amor era “sagrado” quase nunca era necessário palavras para dizer aquilo que precisava, um olhar ou um simples, porém objetivo gesto era suficiente e todos nós temíamos quando um deles nos chamava pelo nome completo ( era um sinal de que “a coisa estava feia” para nosso lado), e assim o tempo passava, um tempo que tudo, incondicionalmente tudo era a seu tempo, existia o tempo de brincar, o tempo de estudar, o tempo de conhecer novos lugares, o tempo de trabalhar, o tempo de namorar, o tempo de nos casarmos, de constituirmos nossas próprias famílias, o tempo de sermos adultos e desta idade aproveitarmos o que ela nos oferecia, e o tempo de envelhecer e colher os frutos plantados desde tão tenra idade.
Agora, 2019, iniciando mais um ano, já no século 21 onde a tecnologia é de ponta, o mundo conectado de norte a sul de leste a oeste, crianças atropelando a infância com aval dos pais que atropelam a adolescência, adultos frustrados que não conseguem imaginarem-se maduros e maduros que passaram pelas etapas da vida e não conseguiram vive-las como deveria ser. Pessoas que não deram o tempo ao tempo que precisariam ter.
Com tudo isso hoje começa aparecer as crises da maturescência, crises de pessoas que com medo de envelhecer não aprenderam com as etapas da vida apreciar o que cada uma delas tem de melhor, crises em que jovens adultos e adultos envelhecidos entram em “guerra” consigo mesmo fazendo com que o relógio biológico mude a história que eles mesmos escreveram.
Não deram tempo para que o tempo fizesse o tempo, deixando que tudo acontecesse a seu tempo, não se permitiram aproveitar mais horas na chuva, não se permitiram correr brincando de pique, não se permitiram olhar no fundo dos olhos da pessoa amada dizendo “eu te amo” apenas para ver os olhos dela (e) brilhar, não se permitiram parar apenas para ver o tempo passar, não se permitiram sentar apenas para sentir o aroma gostoso da terra molhada na tarde de verão…
Agora querem correr, querem ainda correr, correr contra o tempo pensando ser a favor dele mesmo, acreditando que ser feliz é ter, que ser feliz é estar conectado nas redes sociais, na globalização do universo esquecendo que ali ao lado um filho pequeno suplica um sorriso sincero que venha dos lábios dos pais e não dos Emojis do celular.
Tudo a seu tempo porque quando o tempo passar não haverá mais tempo para aproveitar, aproveitar as coisas simples que muitas das vezes nos fazia chorar, chorar de alegria, chorar de emoção, chorar com o coração e também com a razão.
Deixar o tempo fazer seu tempo porque no tempo certo tudo acontece, e quando aquele momento chegar o tempo mesmo se encarregará de mostrar os caminhos certos a tomar.
Aqui o tempo não é apenas para aqueles com alguns anos a mais, aqui o tempo é para todos, crianças que precisam ser crianças enquanto o tempo mandar, adolescentes que precisam viver a magia do tempo até que ele mesmo, este tempo, mostre outro lugar, adultos que precisam olhar para si e lembrarem-se da criança e do adolescente que foi mais apenas como lembranças do tempo que passou.
Maduros, velhos, idosos, seja lá que nome este tempo ganhar, é necessário deixar, deixar que as marcas do tempo tomem seus lugares, deixar que as dificuldades naturais desta idade tão linda aconteçam tão naturalmente quanto a chuva que chove nas tardes de verão.
Não apavorar, não se tormentar apenas pelo tempo que pode chegar porque tudo, tudo tem o tempo certo para passar.
Portanto vamos prestar atenção no tempo que estamos vivendo, viver a atualidade e a modernidade, mas não se esquecer da necessidade de olhar para si mesmo e sentir cada dia com a certeza de que este dia nunca mais na sua vida voltará e que o tempo que passou, passou nunca mais te alcançará.
Vamos aproveitar viver cada tempo no seu tempo, nascer, crescer e envelhecer, mas nunca se esquecer de que todo tempo também é tempo de sonhar.

Pense nisso.
Gilwanya Ferreira
Psicóloga CRP 04/42417

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